domingo, 4 de abril de 2010

O carro e a bicicleta (ou a Bicicleta e o carro)

            No último mês de 2008 o governo federal reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos carros novos e a alíquota do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF) paga por financeiras para financiamento de novos veículos em uma, dentre outras, medidas para aliviar uma crise – até então a mais impactante desde a crise econômica de 1929 – que preocupou os grandes centros financeiros do mundo e agravou as condições de existência em inúmeros países.
            Com isso, no ano de 2009 foi possível atestar um crescimento – em relação a 2008 – de 11,8% no emplacamento de novos veículos. Mal começou 2010 e já temos novos e maiores dados: a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) computou um crescimento da ordem de 18% na venda de veículos nos três primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2009. Trata-se de quase 800 mil novas unidades emplacadas.
            Qual o grande sentido disso? Acelerar vendas no setor a troco de quê? Os benefícios dessas vendas são distribuídos para a maioria da população? Ou há uma enorme concentração de lucros para poucos empresários e um absurdo ônus para toda a população com a circulação crescente de veículos automotores-poluidores?
            A primeira grande consequência desse aumento de máquinas em circulação na cidade é a reconfiguração das vias públicas que deve ser realizada a curtíssimo prazo para comportar todo o volume de veículos. Com isso, torna-se objeto da ordem do dia canalizar recursos públicos para a construção de novas pontes, alargamento de ruas e reconstrução de rotatórias, bem como pensar um remanejamento de tráfego, no qual Piracicaba tem se destacado pela grande quantidade de semáforos operantes – sem contar o lucrativo empreendimento das multas de trânsito! Assim, projetos mais emergenciais, como novas creches, valorização do professor da rede pública, reformulação administrativa e de gerência dos hospitais públicos, vão ficando para um futuro mais distante.
            Outro ponto que começa a ser pensado é o tempo de deslocamento. Há não mais que quinze anos dificilmente em uma placa pare ficaríamos atrás de cerca de cinco carros por quase um minuto. E os semáforos? Em um passado não tão distante era difícil não conseguir passar no primeiro acender da luz verde. Hoje em dia é possível esperar até três ciclos de cores para podermos efetuar o cruzamento. Com isso, temos um tempo maior de deslocamento para os mesmos lugares. Isso só pode se dar ampliando o tempo de espera, pois a distância permaneceu a mesma. E o pior: um tempo de espera com o carro ligado. A emissão de poluentes automotivos só tende a crescer – mas ainda um pouco longe de superar o impacto na atmosfera causado pela pecuária.
            Talvez esse fosse o momento político, social, ambiental, econômico e cultural de resgatarmos aquela velha frase que diz que “a gente nunca esquece como andar de bicicleta”. Pode soar estranho em um primeiro momento – mesmo porque já naturalizamos o carro como o transporte por excelência –, mas poderíamos recuperar aquela bicicleta encostada em algum quartinho dos fundos, comprar um capacete e começar fazendo pequenas jornadas: que tal ir à padaria de bicicleta? Seria possível ir trabalhar de bicicleta? Que tal visitarmos um amigo por meio da bicicleta? Quem sabe até ir para a balada de bicicleta? Por hora, só vejo benesses nessa troca: é bem possível que cheguemos em um tempo menor, não gastaríamos com combustível, não emitiríamos poluente ao meio, já faríamos uma cota de exercício físico e não perderíamos mais um tempo rodando em falso a fim de achar uma vaga para estacionar – bem como não pagaríamos a zona azul, planelinhas e muito menos os quatro reais altamente exploratórios do estacionamento do Shopping Piracicaba. Se essa ideia realmente fosse para frente certamente teríamos um grande grupo de pressão para exigir melhorias nas vias públicas para a circulação com segurança de bicicletas.
            Nesse momento, pegar a velha bicicleta para ir ao trabalho se torna uma ação política de resistência às condições das vias públicas em vista do que pagamos com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), sobre a cobrança abusiva da zona azul, sobre o incentivo à inundação de carros novos promovido pelo governo, à emissão de poluentes à atmosfera. Enfim, há maneiras de nos colocarmos contra o sorriso governamental acerca dos novos (e malditos) recordes: esse mês de março registrou quase 355 mil novos veículos emplacados, um aumento de 15% sobre o último mês com mais vendas (setembro/2009). Para a vida em comunidade é interessante que cada um tenha seu veículo que comporta confortavelmente quatro pessoas mas que na maioria das vezes circula apenas com seu proprietário? Vá de bicicleta, peça carona, dê carona, a Natureza agradece.

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